domingo, 5 de fevereiro de 2023

 


sempre que o pintor inventa a si mesmo, projetando-se enquanto imagem nalguma tela, papel branco ou parede, secreta uma espécie de remédio intenso e benfazejo para o cidadão comum, o senhor que vai às compras, a mulher bastante ocupada e trabalhadora, todos aqueles que de certo modo perecem com as aflições da labuta cotidiana ::


de modo que essas parcelas recriadas hoje em dia, em território urbano, mundo afora, pela técnica do grafite,  são bem amadas, muitíssimo amadas, aliás, pelo conjunto da cidade, seus moradores, que sentem-se como que vendo pontes que levam ao céu, o céu amigo do  rápido devaneio, que, apesar da ligeireza, pode durar e fazer diferença num sorriso que se arrancou, numa mudança de atitude, no perdão a alguma ofensa ::

recriar é, possivelmente, a maior de todas as artes ::

e sentir, sentir por exemplo o valor acumulado do sacrifício urbano coletivo, é ofício da brasileira gente que trabalha com artes, poesia, música ::
e se sentir quase sempre nos faz revisitar constantemente a dor, procurar sentir coletivamente,  ser receptáculo da onda maior e mais geral dos rumores humanos de nosso tempo, fecunda obras inteiras que selam identidades ::

goiÂnia é um pedaço do bRasil que conta a história ainda hoje inacabada de entrada rumo dos sertões do bRasil ::

eras se sucedem, e os ciclos envolvem sobretudo a fabricação de toda uma gente, um povo, uma população ::

quando caminhamos infinitamente, posto que diariamente, por uma cidade, inconscientemente seguimos embarcados em um carro controlado por antigos impulsos amorosos, que legitimam todas as  dificuldades encontradas na vida em sociedade ::

o paço, a larga avenida, o beco, o palácio, a larga alvoRada, o coreto ::

está tudo misturado pelas épocas, os vitoriosos, os explorados, os decadentes ::

salve o geralmente negro navegante que, como diria aldir blAnc, tem por monumento as pedras pisadas do cais ::

"casco de burro de lenha", disse cora sobre o violento amor da cidade sobre todos nós ::

não existe, na cidade, especialmente a cidade grande, quem não seja pisoteado, quem não se sinta pisoteado, pela pisada coletiva do mercado, dos mercados, das modas, das convenções, das ideologias, da cultura, das construções demoníacas que refletem as mais profundas obsessões humanas em densa carga de libertação ou busca de liberdade ::

o brotar de flores perfumadas por sobre os monturos da civilização que se acumulam vorazmente nos becos é uma verdade profunda  que sempre me enfeitiçou na literatura de cora coraliNa ::

recomendo visitar o beco do codorna, museu aberto da cidade de goiÂnia, tendo-se em vista essa velada e obscura lentidão que aos poucos permite entender a raiz profunda do bRasil ::






2 comentários:

  1. Diretamente dos becos da Goiás de Cora aos becos da Goiânia de Marcus e Sílvia

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