"Agora o braço não é mais o braço erguido num grito de gol. Agora o braço é uma linha, um traço, um rastro espelhado e brilhante. E todas as figuras são assim: desenhos de luz, agrupamentos de pontos, de partículas, um quadro de impulsos, um processamento de sinais. E assim - dizem - recontam a vida. Agora retiram de mim a cobertura de carne, escorrem todo o sangue, afinam os ossos em fios luminosos e aí estou pelo salão, pelas casas, pelas cidades, parecida comigo. Um rascunho, uma forma nebulosa feita de luz e sombra como uma estrela. Agora eu sou uma estrela." ((poema de fernandO faro, recitado por eLIs regina em seu último show, "Trem Azul" ::
na praça tiradentes, ouro preto, minas geraes, renovam-se os votos de um
armistício :: ouço o cortejo
que leva o sonho dourado do bRasil, bem representado pelo amarelo ouro
da bandeira, bem guardado,
só podendo ser tocado por luvas imperiais, ouvidos que a natureza apurou,
como um concerto
sinfônico :: se fossemos ouvi-la, a musa, costurando nossa bandeira, veríamos
os inúmeros soldados,
levando para a confissão, o mito amarrado, o alferes, em sonho, crucificado ::
fica em paz com a tua
bandeira, ó mulato, que o sonho nos leva :: agora, já vejo bem, há um novo
cortejo de crucificação ::
que nos leva, como cortejo, de novo amarrado, em sonho :: esse é um bRasil que
se tece em torno de si mesmo,
consegue completar a volta :: o bandeirante transtornado pela doçura do
paraíso :: nossos vastos
medos :: a mulher que cavalga são nossos medos :: nossos mitos :: tancredo
neves :: ayrton senna :: mãe janaina :: conseguimos
revelar o espírito humano em toda sua beatitude, como quase conseguiu são
francisco :: irmão pai,
irmã lua :: novas armas imperiais sossegam o espírito humano, já conseguimos ver
o futuro :: a linda
inconfidência, confluência do deus imaginado, o brasil tão longe, apenas imaginado,
como futuros múltiplos
e bem amarrados, costurados, numa refazenda latina, vistos com bons olhos de pássaro,
aos quais se ofertam
flores, e muito sangue, beberagem madura de xamã e telas de antônio poteiro ::
múltiplos meninos saem como olhos em telas de denso
ardor :: caem, quebram a cabeça nas pedras da avenida central, praça tiradentes,
ouro velho,
manhas de escravo, magia que cose a postura altiva do marinheiro, malandro,
cantador, escravo ::
deveríamos pensar nos algozes e sua função, nossa vilania geral, a vila boa do
remédio oriental :: a mais cristã de todas as pátrias será
aquela que sofrer e se oferece no maior de todos os sacrifícios :: na cruz, o medo
foi vencido :: o medo se transforma,
em bandeiras e harmonias de jazz, esmolas no sinaleiro, improviso mambembe
de repórter fuleiro ::
guitarras e mímicas :: mijadas alegres e festivas, animando o pasto alegre :: o menino
correndo
com a paz entre os braços :: a paz prometida, a paz do espírito trágico, a paz do
úNico, a paz do primeiro
passo :: o braço alegre, a poesia, o jeitão de mago, capaz de converter diabo em
cristo, e o cristo em
diabo, sem que ninguém perceba :: alegria curumim :: o deus da mata virgem, e
gilberto gil :: já vejo o mito de novo chegando,
e arrebanhando seus vozerios :: algo precisa morrer!, gritam os soldados, imponentes ::
solos de guitarra,
ouvem-se, são gemidos, violinos arrebantando as cordas, são os tinos cordiais da
cordura insustentável
de menino :: a cada vez que o bRasil morre, como agora, no picadeiro, com uma
bala na cabeça, ou no peito, há um tanto de gente inumana
que fica bem contente, o cérebro restabelecido, no contato com sua imaginação primitiva sanguinolenta ::
amarra-se o menino :: que seja enforcado com os cadarços do tÊnis da morte, a
R$ 500 reais o calço,
na batida do funk :: o começo de tudo na latrina da favela :: bata-se, bata-se,
bata-se :: o bRasil morre ::
bata-se, bata-se, bata-se :: o bRasil morre, mais uma vez :: o bRasil morre :: mais
uma vez :: desse ruído de morte,
entre feras absurdas e noturas, desponta a aurora, fantasia do nordeste :: agora se fizeram
ruir todas
os atabaques e chocalhos da naÇão :: por sermos a classe média, pensam os algozes,
nossos carros
originais intuem uma beleza menos candente :: nossas suítes querem o sexo à
vontade da corrupção ::
querem o mar de soldados vendendo veneno, agrotóxico, sujeira, imundície,
xuxa :: querem o tempo único da vida,
peitos de silicone, vícios de cocaína, pensamentos nada bons, que sempre
intuem um puteiro
grande, enorme :: estão todas elas ali, as enforcadinhas, meninas africanas, bem
negrinhas, índias com a raspada
vagina, um colar de contas na virília, o ventre liso, um casamento rápido e
servil :: bRasil, a pátRia corroída :: em 500 anos
de nossa aventura, um canto de asa quebRada, uma inumana violação :: a dor se
ergue encapsulada, capsulas de beleza e imaginação
concentradas :: nosso suor :: eácio se ergue com as palomas da morte :: junto com
ele estão os mantras
da concentração explosiva, o genocídio cultural e guarani :: como as escravas que
se despiam e ficavam nuas para o
41. senhor :: senhor, seu falo é sua metralhadora, meu senhor, é o fim último de
seu regulamento:: pronto,
novamente a pátria está fodida e os címbalos da vida cingem de ouro os ouvidos
da noiva da morte ::
acabe-se, asfalte-se :: da pátria escorre sangue, que fertiliza o solo :: na dor da
praça tiradentes,
úmidas plantinhas se intumescem :: são os olhos de nossos mestres, são a
poeira estelar agreste
do infinito :: concentram tesão e gelo :: cortam e ritualizam :: logo, a marcha fará
recomeçar a brotação
leve de uma fina camada artista, continuando o sonho breve e fugaz sob a lona do
circo que sonhou elis regina ::
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