quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

# eu sou o sambA ((sobre a ternuRa dos "rolezinhos"



meu sonho já é o de embalar meus filhos e enchê-los de uma
felicidade plena, porque essa será a minha felicidade ::

já não me zango com seus maus hábitos e dispêndios,
a ineficiência de alguns de seus amores, devoções,

ódios e consumos :: ou mesmo a bestialidade herdada
de seus pais corruptos e pervertidos na insistência

da corrupção :: por ser a mãe do bRasil, os embalo e
acaricio na ponta de suas caudas de "capetas",

herdadas de longínquas submissões aos sertões mais
desérticos que existem, e que já então profetizavam

todo esse desespero :: coisas como "bailes funk" são

chupetas que coloco nas bocas desses meninos,
e com sua fúria então mitigada os vejos menos sujinhos,

emporcalhados :: esses meninos dos rolezinhos
são a submissão feminina em seus dias, em sua longa

espera, em seu sofrimento :: são a forma obtusa
gerada pelos mestres da tortura, em seus dias de governadores

de estado e presidentes da república,
sorrindo, na lavação de seus dinheiros, perdidos no enxovalho

e na lascívia :: esses meninos são o meu ódio
tranquilo, o meu dinheiro, o repouso reconfortante

de uma mãE a sonhAr, bordAndo e erguEndo-se
do mais profunDo medo geraL brasiLeiro, costurAdo em favelAs:


)))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))))

%% ((sobre a responsabilidaDe da culTura ><

eu sou o tempo amoroso absoluto, e a mãe de todas
as iras, e minha densidade provoca todos os dengos de que necessitamos,

nesse país, na medida certa para o sucesso de aparentamente
estranhas satisfações :: todas as invejas, todos os ciúmes, são

resolvidos ::  nada é descabido, na franja desse bordado
que ouso, enquanto protetora da cultura brasileira, desde o funk ao pagode,

desde a Globo ao modernismo tropicalista :: decifrem-me os
mistérios, os rolezinhos, para um julgamento mais eficaz do que acontece no

bRasil, e sonhadoramente  se instalará por aqui um prometido
tempo de paz e harmonia :: busquem-me em desrazões, que se revelará o i

ncompreendido que amacia os homens e os torna
poetas e proféticos :: o bRasil é uma criação marginal do Primeiro Mundo,

uma sabotagem de dEus ao grAnde plano do imPério, uma
piada in-resolvida, no melhor estilo dos "jokermen" que

perigosamente engolem fogo e gozam do perigo de não
conhecer o futuro :: o bRasil é esse brincadoR sem

controLe, e, por isso mesmo eTerno e aplaudido ao avessO ::
o bRasil é essa glOSa do vindOura, em um portuguêS reinvenTado,

na mistuRa pobrE mas criAtiva do poVo com o inglêS :: ora-se por
nosso bom tempo; ora-se pelo sexo benfazejo; ora-se pelo

fim dos internamentos; ora-se pelo moço ardente de calma e
brandura, capaz de, muito honestamente, olhar uma mulher nos olhos até

o fim da vida, sem isso significar - sofrimento ><


@ sonhAr o brAsil ><

a onda dos rolezinhos atesta que uma imaginação orgÂnica
e benfazeja, nutriz de nosso tempo sociAl incomum ,

pode ser figurada por meio da noção de um pensador magistral,
um pensador sem par das possibilidades humanas -

é essa onda pensadora quem pinta o bRasil com dedos ágeis,

já quase na velocidade do tempo vivido comunitariamente na
rede mundial, a internet brasileiRa, profUndidade camoniana

candentE, formação lusófona revelando-se em muitas faces
de uma mesma língua, uma mesma forma de fala :: somos a

expansão de uma espécie de loucurA amoroSa, prograMada
para desregulAr todas as cerTezas que mantÉm de

pé a civilização :: somos o inconsciEnte in-programadO, aquilo que esTá
foRa do luGar - no caSo, foRa das proBabiLIdades esTatísticAs

do munDo urBano ociDental desenVolvido - e que por aqui
precisam de algum modo se resolvEr,

em contaTo com o lixo profundo que representaMos - preciSam
do jeitinho e da malemoLência, ao som do sAmba reconduzido

ao estreLato e da nova demonstração
de beleZas como a mulAta e o luaR do serTão ::


#roLé#%%%
desconFio de toDa e quaLquer interPretação acerCa
do fenômeno "rolezinhos" que não assuma esse aspecto

místico e poético :: somenTe nos desvencilharemos
de tais probleMas sociAis, que teimam em permanEcer, se

o tratArmos a golpes de alguMa arTe capAz de conTer toda nossa inSanidade
inconTida, que arde sem fim :: nenhum pensador ou analista entende

o bRasil se não foR ávidO por imaginaÇões, se não sofreR
da ousAdia de tenTAr enTender como age essa a deuSa, santa imaginação,

sonhadoRa bondoSa que nos costUra e nos urde
enquAnto trama bem feiTa, como se costurasSe

olhOs de rã, como se continuaSse os movimentoS de um brejo,
tamanhA sua intimiDade amazÔnica com a próPria alma do munDo,

com o humaNO barro de esculpir aspiraÇões mítiCas e
bondoSas :: essA mesmA deuSa de GlaubEr roCha,

do matriarCado de pindoRama, da fantAsia erÓtica de um tirano
a penetrAr o impenetrÁvel da florestA universaL::

nos conforMemos com essE desígNio :: se aos americanos do NorTe
couBe o dispaRaTe de fazer o ser huMano até mesmo

piSar na luA, e experImentaR o milagre da igualDade na comunicação,
com as tecNologias de rede, por meio

de muiTa ciÊncia, a nós caBe a arTe arrOGante - pela pretensão
de tentar reescrever o OriEnte, como ousam dizer nossos vanguardistas,

na esTeira do idìliO pessoAno do quINto impéRio :: nosSas
escOLas mais apuradas deVem ser de aRtes, e não de ciÊncia,

e nossO dinheiRo virÁ do deLíRio tecnoloGizado, poR meio
de parcerias com os norte-ameriCanos,

que apesar de todo domínio técnico sobre a arte de
fascinar mediante o cinema, só escrevem bobagens, em roteiros

de uma epicidade quase adolescente,  já que sua profecia
não é a mesma que a brasileira, essa sim baseada

na dimensão infinita, amazônica, de toda a bondade
e corrupção infinitas da alma humana :: a bonDade dos rolezinhos,

embutida nessEs bebês irriTantes que prefeRem corrEr a estuDar,
está nessA  figuRação míTica, a ser percebida

sob a forma de arTe, em seu poder de insuFlar soNhos que serão orienTações >,<


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

indeFesos






sonhos são ideias secretas, feitas no íntimo, por detrás dos 
olhos, à sombra :: parar de sonhar

significa parar de ter medo sobre o que os outros pensam 
de nós :: o sonho protege o que somos

enquanto criança, algo sempre indefeso ::

imagem : Klimt

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

à reveLia da reAlidade



na guerra entre perfis; na disputa entre batidas, ritmos e musas; na luta entre tribos e suas cores, a cada dia mais visível

na internet, ainda haverá muito ódio, inveja, estrelismos, irracionalidades, que ao longo de toda a história humana

sempre provocaram tremendas desavenças e desigualdades :: mas agora se trata de um sangue derramado sobre o território virtual::

o sentido de derrota e opressão é fugaz e rapidamente reversível :: como nos games, uma nova batalha
imediatamente começa e o número de tentativas,

a possibilidade do recomeço, pode ir ao infinito :: nesse novo tempo e espaço, nos desvencilhamos da morte, já que experimentamos a chance de renascer a todo momento ::

nos tornamos iguais, então, aos guerreiros imortais dos filmes ou games com motivos mitológicos, atualmente tão em voga :: o desprendimento apura a técnica,

o fim do medo aumenta a ousadia, e, gradativamente, nos aproximamos da sensação de imortalidade
própria de um dEus ::

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

(o que será?) à flor da terra



a verdade profunda do brAsil é tênue e sutil, e somente percebida aos poucos, exigindo dedicação,
vocação e êxtase,

como nessa música de Chico  :: profundo êxtase, tão quanto a própria verdade a ser alcançada :: êxtase pela revelação

do poder da sexualidade enquanto excitação visionária, profética, mítica, produtora de grande
esperança, como a paz do sertão :: após milênios de desalento, no seio da civilização; após o declínio

permanente da paz; e após a desavença entre corpo e felicidade espiritual, chega-se a essa cruza agora que é o Brasil ((escondido, mas aberto para quem quiser ver)),

relação negra entre céu e terra, entre passado, presente e futuro, gerando alívio para o tabu do incesto, nosso grande pecado, raiz podre de um fruto benigno ::

solução mítica, que é cultural, identitária, fruto de expressões mais artísticas que religiosas, vinculadas à comunicação

do mundo, à língua urbana, corrente, desregrada, plena de cor, som, gesto, brincadeira:: o humano que baixar a cabeça, que ver em si o bem e o mal, o signo da serpente, a guerra e a paz, será

capaz de produzir e lançar sobre o mundo a visão de um oásis, onde tudo é tão simples como a felicidade de não cometer

crime algum :: e a oca em que mora o bRasil é a desse sexo não reprimido, mas apenas amorosamente
repousante, sonhante

e cantante, acarinhante, contido sem estragar-se, benévolo, forte a ponto de revelar a maravilha do sagrado, sem, no entanto, ostentar força e poder ::

essa verdade do brAsil está no hino que Chico Buarque de Holanda compôs, verdade que não tem
governo, nem

nunca terá; verdade que, mesmo assim, não se mostra plenamente, apenas se insinua; como que soprando uma flauta, como que mostrando a sua sombra, que é a sombra de um belo amante,

ela é bondosa e sábia o suficiente para saber que a visão plena de sua energia ofuscaria o homem-menino em sua

própria feitiçaria e aprendizado sobre os poderes do amor sensual criativo e criador :: se se mostrasse, produziria

em nós como que a inveja em torno dos poderes de encatamento de um pai, amante único da mais bela das mães ::

produziria um complexo e um embestamento, e na verdade produz, quando não se cobre a verdade
sobre o sexo com belezas puras, decorrentes do recato amoroso do feminino, seu afã irracional e muitas

vezes até assassino ::perturbaria nossa autonomia e nosso sonho, nossa capacidade de criação cultural, a satisfação de nos fazermos, nós mesmos,

humanos, com base, não em um modelo explícito (que, na verdade, não existe), mas em uma insinuação,
uma dissimulação, uma fantasia, um teatro que encanta e atemoriza nossos corações de criança ::

ora, é injusto para nosso espírito de inocÊncia ver a glória da existência como em uma pornografia, significando apenas carne, e não

carne e espírito,  assim como é perturbador para a criança flagrar a aparente violência de uma relação sexual  entre os pais :: precisamos desse

medo e dessa ignorância, sem sermos tolos ou infantis :: precisamos de uma doce malícia, ou de uma malandragem do bem,

tão tipicamente brasileiras, que nos proporcione recuar sem ver, mesmo sabendo que o sexo comanda nossas existências;  precisamos aprender a controlar nosso ódio ao tesão que sentimos,

tão inspirador de reliogismos descabidos, que nos sobe às faces e nos faz corar, como diz Chico, e já sem jeito de dissimular:

flagar essa sutileza da alma brasileira gera nossa diferenciação em relação à América do Norte, onde
as visões de vida produzidas pela indústria do cinema de massa ou são cruamente adultas, através

da pornografia, ou bobas e doces de modo enjoativo, como nos contos de fadas recriados por Walt Disney :: no bRasil profundo, que ainda não produziu toda sua forma possível de expressão, o Carnaval

faz todo esse sentido  de um fingimento que não esconde, mas inspira, pela ousadia de mostrar opulências do corpo da mulher sem desrespeito,

mas acima de tudo com a glória da grande beleza feminina, responsável pela geração da vida, em todas as suas dimensões ::

responsável pela geração de uma nova forma humana, um novo tipo de gente, a Roma escura
e tardia antecipada visionariamente  pelo antropólogo Darcy Ribeiro ::

o bRasil ele mesmo, não ainda totalmente conhecido, mas apenas entrevisto, porque coerente com o próprio espírito das brumas que aos poucos vão lhe revelando a face ::

o bRasil sempre misterioso e a ser descoberto, gerador da aflição entoada por Chico :: o bRasil como
lenda e mito, coerente com seu mito fundador de paraíso terrestre ><




quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

há um final profético da amazôniA






mesmo não gostar do bRasil é uma virtuDe em nosso complExo sistema social : na verdade, parte determinante de nossa realidade ::

acelera a prostituição geral que determina nossa base mítica :: acelera o sonho de nossa natureza a ser salva, como desespero determinante e deflagrador

de heroísmos :

toda juventude atualmente postada em atitude americanizante, sem o saber, revoluciona nossa cena cultural :: força o tempo noVo,

causado pelo sentimento de pobreza, pela fragilidade de uma forma particularmenTE nula :: tenho pena dos pobres, que, espremidos, enfavelados,

absorvem e adicionam tons míticos ordeiros, que os colocam em posição cada vez mais espremida, qual gado na poSição épica de um povo a ser abatido ::

cajados se movem, e ordenam, e nos desanimam :: e vivemos em uma orgia infernal :: há um tempo lento também no gozo de nosso declínio,

sentido pelos aventureiRos norte-ameriCanos :: há um finAl proféTico da aMazÔnia, tão amazônicO quAnto a própria amazônia::

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

eXploração




a questão é muito simples :

o ser humano sempre vai se perguntar se existe, sabe-se lá quando ou onde, uma sociedade sem trabalho e, por consequência, sem exploração :

a persistÊncia dessa pergunta gera a utopia :

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

é o desgoverno que nos goverNa



é o desgoverno que nos governa :: verdade cultural que, intimamente, confunde nossos inimigos ::
ser brasileiro é entender

esse princípio aparentemente contraditório, muito semelhante ao que acontece na Índia, onde pobreza e luxo se interpenetram,

confundindo as noções lineares, que não admitem a podridão, o escuro, o noturno :: assim, devemos
ler as elites remotas do bRasil, como

o caso, agora, de Roseana Sarney :: sua inaptidão nos governa, e o povo se ilumina de um abandono inigualável, maior até que o do povo de Israel, que ainda

hoje não encontrou seu dEus :: >< resplandesce nessas horAs o significado de nosso mítico serTão

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

"com açúcar, com afetO" ((ou, sobre o poderoso miTo da mulher ::>>

(por e parA sílviA


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nego uma forma de vida pensante que não retire sua força de si mesma :: olho, e nunca vejo outra coisa que não seja - a mulher ::

possuo quarenta e dois anos de existência, que correspondem a uma existência de amar o feminino ::  quando nasci, o "anjo torto"

a me visitar ordenou-me tal vaticínio :: todo o mistério de transcendÊncia do humano, não importa qual mitologia, forma-se a partir dessa busca

pelo feminino :: nada é tão forte e restritivo, nada é como essa bruma >> leva-se tempo para compreender tais coisas :: cada espírito amadurecido, ao fim e ao cabo, no

entanto, vai se deparar com essa "borboleta", um misto de beleza com efemeridade, ao procurar a razão última das coisas :: quente mistério que me ilumina,

brotado de uma grota geral que fortalece o evoluir secreto, sempre recôndito, de um regurgitar do medo
em esperança,

de uma expressão do mal sob a forma de boas e ternas leituras do mundo :: penetrei
docemente

nesse túnel que faz o tempo, pois que é da mulher o controle sobre o falo, e todo o controle que esse
falo exerce sobre o mundo :: nada é tão monstruoso, por consequência, tamanho o poder ::

se perdemos o fôlego diante da cultura que domina, e sufoca como uma planta que não para de lançar ramos, até que tudo esteja coberto,

em um processo imenso de proliferação ou mesmo infestação, é porque já estamos diante dessa própria imensidão do feminino ::

não quero pensar em outros arquétipos que não seja o do útero, pois seria negar o que vejo :: não quero erguer nada

contra o útero, pois estou absolutamente convencido de sua invencibilidade :: como os homens, sem destino,

vão orientar-se? ora, o grande cogito é o do falo :: toda destruição perpretada provém do falo, e de sua atração

irreprimível com relação ao útero, aonde quer ir sonhar, aproximando-se da casa liberta, e do colo quente da moça,

que com suas lágrimas a escorrerem pela face límpida e harmoniosa pensa no sacrifício, no trabalho, e no crescimento perseverante ::

tudo o que foi Lutero, sua força que proporcionou o atual século, de milagres e desastres, vem dessa docilidade destrutiva e inocente ::

tudo o que gerou o Ocidente :: dói receber a dura informação :: dói amar o que nunca está satisfeito com o que somos, essa negra mãe obscura

e atordoadora, que lança doenças para que o pai busque curas :: tenho 42 anos e uma tontura que me faz menino, sempre um tenro broto,

a ser provocada pelo carinho que emana das formas bonitas e apaziguadoras :: sou um devoto de uma santa, com aspecto de cadela ><

sou o reformado, e que aceita ir para a cadeia , para uma artística cela, sonhando em personificar o milagre essencial do equilíbrio,

que faltou a Édipo :: como domar o instinto perverso do masculino, que, diante de tanta delicada beleza, sem se dar por conta

de si, comete repelências, que condenam toda a cidade? como depurar o medo violento sem o qual não conseguimos gerar o futuro?

posicionando-se como bebês informes, a receber um carinho essencial da mãe :: sinto que tudo que sonho, que meu projeto benfazejo,

sofrendo sempre do encosto de um sonho de perversidade contra a perfeição do feminino, depende dessa postura, como se

eu fosse o brando leão que sonha a cidade :: para ser forte, e inspirar vontade, vontade intensa de mudança, que irá se processar sobre as formas

gastas do viver, é preciso alcançar a torre de uma inocência :: nela, todas as mães passam a mão sobre minha cabeça,

me socorrem, expandem meu intelecto :: posso retornar então ao país que eu como com minha fome de conhecimento, o bRAsil :

as mães  pedem perdão pelo meu sofrimenTo :: sou o pequeno suave outono do grave desejo, e trágico :
se gaston bachelard fosse vivo, me colocaria no colo, e meu segredo... meu segredo encontra-se no sexo
puro, e na voragem sexual de violência contida
no orgasmo branco, nas santas formas, na tolerância para com o humano erro sem que se perdoe, no
entanto, sua bruta literatura,
sua leitura e escrita passíveis de revisão em nome da cordura ::

há sempre um possível trabalho, e uma aresta, e o sangue precisará ser conduzido por todos os vasos,
para que os olhos vejam, e o coração sinta, e prossigamos nesse processo de tornar a besta humana menos

crua ::
por isso, por mais difícil que pareça, inútil e de fraqueza aparentemente demonstrada, somente a arte é que

possibilita o progresso, a evolução,
é ela o ritmo arcaico que sustenta a própria tecnologia :: sou um cão, que abraça o mundo como alguém à

procura de um instante naquele colo quente,
aquele afago bondoso, consciente da fragilidade desse íntimo contato com a mãe, consciente do Édipo que me guia em direção

à dor dos olhos furados :: sou o novo Paulo Freire, reforçado em sua docilidade roubada de um incesto com a natureza,

piedoso a ponto de ver o próprio etnocídio cultural brasileiro como promessA





O bori teve início à noite. Vestidos de branco, os noviços sentaram numa esteira com as pernas estendidas e mãos abertas sobre as pernas, palmas viradas para cima. Atrás de cada um estava a pessoa escolhida como sua madrinha ou padrinho de bori. Começados os cantos, padrinhos e madrinhas puseram-se a lavar as cabeças de seus afilhados, derramando sobre elas uma infusão de folhas frescas e cheirosas – o amaci. Então se posicionaram na frente destes, segurando uma bacia esmaltada – chamada de ibá ori (bacia da cabeça) - que é o duplo do ori no outro mundo (orum). Uma tigela grande com fatias de frutas foi trazida. A mãe de santo retirou duas fatias e as movimentou ao redor do corpo da primeira noviça, antes de colocá-las dentro da bacia. A mesma operação foi repetida para cada um dos noviços e com diferentes comidas – além das frutas, pratinhos com bolinhos de inhame, bolinhos de arroz e grãos diversos. Antes de ter seu conteúdo despejado no ibá ori, cada pratinho circulou ao redor do corpo do noviço, marcando as direções de frente e trás, acima (cabeça) e abaixo (pés), direita e esquerda6 . Quando toda a comida foi coletada nas bacias do ori, estas foram deixadas sobre o colo dos noviços. Os padrinhos e madrinhas trouxeram, então, quartinhas com água e pratinhos de barro contendo obi (um para cada noviço). A mãe de santo aproximou-se da primeira noviça do grupo, pegou o obi e cortou algumas fatias finas. O restante ela dividiu em duas partes, sobre as quais aspergiu um pouco de água da quartinha, antes de lançá-las sobre o prato, para assegurar-se de que a oferenda foi aceita pelo ori7 . A mãe de santo entregou, então, uma fatia do obi `a noviça para que mastigasse sem engolir, ela e a madrinha fizeram o mesmo. Depois recolheu os obis mascados, que foram cuspidos em sua mão, e pôs a pasta sobre o cocuruto da noviça. Notei que alguns noviços contraiam as feições com o gosto amargo do obi. Enquanto repetia a mesma operação para cada noviço, a mãe de santo dizia: “Obi paz, obi calma, obi tranquilidade”. Outros ingredientes foram agregados à pasta de obi sobre as cabeças, entre elas uma porção de milho branco cozido. Neste momento foram trazidos os pombos para serem sacrificados e oferecidos ao ori (um para cada noviço). Um pouco do sangue do pombo foi derramado sobre vários pontos do corpo, seguindo as direções já mencionadas: pés,

pulsos, cocuruto, têmporas direita e esquerda, nuca e ombros. Penas foram fixadas, com o sangue, em alguns destes pontos. O sangue foi também derramado sobre o ibá ori. Penas dos pombos foram colocadas em torno desta bacia, enfiadas decorativamente em meio às comidas que ali foram recolhidas. As madrinhas amarraram com firmeza uma faixa de pano branco em volta da cabeça de seus afilhados, para aí reter a oferenda. Estes foram então instruídos a deitarem-se de bruços e foram completamente cobertos por lençóis. Água de colônia foi aspergida sobre eles e caroços de milho branco cozidos foram lançados em volta das esteiras delimitando o local de repouso. Logo o silêncio reinou. Parte dos materiais usados no bori foi, então, arrumada em uma bancada atrás das esteiras onde dormiam os noviços “borizados”: pombo cozido com farofa, tigelas com muitas frutas. Manjar branco e acaçá completavam o conjunto. As cabeças dos pombos foram dispostas nos pratos com as quartinhas, em meio a arranjos de sangue e penas. No dia seguinte, os noviços deram início ao consumo dos alimentos. A comida foi também partilhada com outros adeptos do terreiro, que contavam com a generosidade do grupo recolhido e vinham pedir um pouco de comida para si. Já quase ao cair da noite a mãe de santo veio “suspender” (encerrar) o bori: desamarrou a faixa de pano que retinha as oferendas de comida na cabeça, recolheu os grãos de milho numa bacia e lavou a cabeça de seus filhos com uma infusão de folhas frescas. Estes foram então instruídos a tomar banho. Ao final, receberam um conjunto de prescrições comportamentais e alimentares que deveriam seguir por um período de duas semanas, como parte do resguardo. Depois de um excesso de atividade o corpo estava frágil, precisava ser protegido (res-guardado) de tudo que pudesse ameaçar o equilíbrio conquistado. A proibição de certas comidas e recomendação de outras era fundamental para o sucesso deste empreendimento.


os percursos da comida no candomblé de salVAdor