forçamos a barra, exageramos, quando se trata de não amar o que somos ::
que o povo brasileiro
nega a si próprio, não é novidade :: que, de tempos em tempos,
acordamos brevemente para nossa
realidade miscigenada, deixando de nos comportar como os judeus
que levaram cristo à cruz,
aceitando com isso nossas raízes caboclas, também sabemos, ou deveríamos
saber :: agora vamos retomando aos poucos
nossa inteligência tropicalista, ao timidamente, como massa, conceder uma
discreta preferência
a Carlinhos Brown em relação aos demais tipos "sanguíneos" (Lulu Santos,
Claudia Leitte, Daniel)
existentes no espectro do atual panteão brasileiro de mitos musicais,
representados
no reality show "The Voice Brazil" :: ou será que me equivoco? ::
figura carismática,
Brown, com sua pujante liberdade e valentia negras, creio que reencarna
valores que acabam afirmando-se sozinhos, sem esforço
:: pode ser que haja uma apropriação ingênua de sua maneira
divertida e "maluca"
de ser, baseada no exotismo, ao modo da apreciação que o "civilizado",
o "normal",
faz do gênero "folclórico" :: mas isso é o de menos :: somente o indício
de uma superação
da verve a cada dia mais racista que nos assola já me é capaz de
causar
algum otimismo :: ele próprio, Brown, vinha sendo vítima de imenso
preconceito, mas, na senda
de sua popularidade construída pelo reality show, reposicionou seu carisma,
ao que parece, para o bem da alma tropicalista
brasileira :: superou o preconceito que outra representante dessa mesma alma,
Regina Casé,
com seu "Esquenta", igualmente vem enfrentando, de maneira impiedosa, e sem
conseguir reagir à
altura :: parece que a fórmula de REgina, de protagonizar a favela, o morro, na
televisão, com todos os seus modos
de diversão e produção de carinho e agregação familiar, pela junção sincera
e alegre da gente pobre
e negra, só tem conseguido atrair mais raiva em direção a essa formulação
antiga do brasil bem brasileiro ::
contra esta disposição vem avançando uma outra vontade, bruta e perversa,
de barrar a reafirmação
do nosso processo geral de mestiçamento :: santa potência tropicalista, somente
mesmo a variação inconsciente
de um bRasil inédito e surpreendente para produzir uma nova junção familiar
brasileira, onde todos sintam-se gratos,
uns na presença dos outros :: na violência desse processo, devemos nos esforçar
para ver a própria ritualidade lancinante de mistura
antropofágica das massas, no governo geral de distribuição da pobreza e da
riqueza, da saúde e da
doença, da glória e da esperança :: como disseram os tropicalistas,
na canção
"Ora pro Nobis", há um sentar à mesa para a ceia, uma distribuição e
um compartilhamento ::
nesta relação carnal e conjugal, se dá a construção complexa e intrincada de
um mesmo rosto nacional,
em que todos se reconheçam (("Derramemos vinho no linho da mesa/Molhada
de vinho e manchada
de sangue", diz a letra) :: nisso, a importância da mídia, em especial, até agora,
da Rede Globo,
como Caetano Veloso nunca deixou de afirmar :: mas que novo rosto
será esse, para além
da mulata desenhada na adoração que se fazia da favela e do carnaval,
e que quase já não funciona
como mito de unidade? :: onde andará a nova aliança integradora da alma
brasileira? ::
será uma síntese como a conformação esquisita que vem se plasmando até agora,
ao redor de marina silva,
ela mesma capaz de reunir em torno de si pessoas das mais diferentes
origens e situações sociais? ::
seria possível afirmar que a potência antropofágica de Marina
estaria na sua relação ambivalente
tanto com a esquerda como com a direita? :: independente disso, na variação
do mundo a ser transformado, desde a última
onda tropicalista, nas décadas de 60 e 70, o que realmente precisa ser
levado em conta nesse momento é o enorme crescimento
da religião evangélica neopentecostal, ela mesma tendendo a um recuo na
miscigenação, desde que possui
como uma de suas pedras fundamentais a pregação do bispo eDir maceDo
contra as religiões afro-brasileiras ::
eis que surge então a revelação de nosso próprio método antropofágico
inconsciente, que ama buscar complicações
para desafiar a si mesmo, como um atleta ou artista - nossa própria
alma - que não deseja jamais cessar em seus voos e
evoluções, verdadeiras acrobacias a exigirem conhecimento cada vez
mais profundo da própria alma
do mundo :: no mundo inteiro, o aumento da diferença, e do perigo da falta
de tolerância para
com a diversidade, vem sendo tão grande (impulsionado pela internet, que se
não reforçamos nesse momento uma leitura
das capacidades generosas e agregadoras da alma inteira da humanidade, a
violência se torna incontida :: para uma violência-mundo,
precisamos de uma abertura espacial, renovadora, em direção ao infinito,
novamente buscando soluções
que desconhecemos :: é uma grandeza muito "grande" de pensamento que
se exige hoje em dia, para enfrentarmos todos os dias
os inimigos eternos encarnados no preconceito :: reunir à mesma mesa,
para o compartilhamento
da vida em alegria, os defensores das minorias étnicas brasileiras, de
um modo geral,
situados À esquerda no espectro ideologico , e a imensa massa neopentecostal,
de um modo geral,
À direita, requer muito senso de humanidade e imensa capacidade de abstração ::
GAndhi fez algo que
merece ser visto como exemplo, na ÍNdia, no início de século XX, ao simplesmente
levar adiante a
proposta cristã do amor ao próximo, insuflando a revolta de seu país contra o império
britânico por meio
da não-violência :: conseguiu, e o registro de sua atuação faz penetrar na realidade
sócio-histórica
a sensação de que cristo ou buda caminharam novamente sobre a face da terra,
operando o milagre
do amor universal, aquele que não conhece diferenças :: no bRasil, Gandhi certamente
insuflaria esse amor
até que todos se sentissem bem em seu próprio credo, sem importar-se com
as diferenças de estilo :: a "invasão"
neopentecostal sobre nosso país de raízes latinas e católicas configura talvez a
maior de todas as obrigações
de amor ao próximo que, enquanto civilização, o bRAsil precisa enfrentar, depois de ter pacientemente
costurado o mito da cordialidade entre as três raças - mito que agora se encontra
colocado em cheque
pela própria onda neopentecostal :: uma alteração assim, em termos de
mudança de rota no curso de nossa cultura,
pode ser estranhamente colocada, como metáfora, em paralelo com a própria queda
do avião que alterou o rumo da eleição presidencial
desse ano :: é abrupta e inesperada, apontando um rumo incerto :: que marina silva é
uma síntese do bRasil, deveríamos saber - desse brAsil novo,
reafirmando-se, mais uma vez, em seu caráter labiríntico e quase
desesperador :: de que modo se desenrolará
um possível governo seu, ainda é cedo para dizer qualquer coisa :: mas é certo que
anda uma potência
antropofágica, sempre, por detrás dessas configurações :: como diz
a filósofa
Marilena Chauí, o mito fundador brasileiro não cessa de repor a si
mesmo, podendo ser
visto em todos os principais momentos políticos da história do país (estado
novo, suicídio de getúlio,
golpe de 64, morte de tancredo etc.) :: nele, sempre vem se expressar uma corrente
autoritária,
impondo a visão do país como paraíso na terra, identificado ao limite máximo
com a natureza gloriosa
do dEus, a despeito da democracia e suas instituições :: fica nosso estarrecimento,
ou daquele que é capaz de se estarrecer, perante formas
tão complexas de realização do destino :: ou, como dizia Tom JObim, o bRasil, para ser compreendido,
requer bem mais do que um certo amadorismo de alma e espírito :: requer talento,
estratégia
e originalidade, como fizeram os tropicalistas de 67 :: bem mais que uma força
política, e esta é uma conclusão
importante, o que está faltando ao país é um belo de um renascimento artístico,
algo bem mais de acordo
com a lógica poética do inconsciente e, portanto, mais potencialmente capaz de
construir a tão necessária paz :: quem sabe a aparente vitória
de carlinhos bRown não sinalize nessa direção :: quem sabe... :: de qualquer modo,
fica evidente, por todas
essas considerações, que nossas formas de integração social precisam mudar ::
e, o que é preocupante - nossa
forma de pensar a sociedade desconhece uma fórmula concreta para enfrentar
tal desafio :: o modo de ser,
herdado do século XX, e partilhado pelo conjunto da humanidade ocidental,
permanece centrado no
racionalismo científico, e seus pilares para a construção da cidadania (política, mídia
e educação) ::
estrutura amplamente esclerosada e que se abre, mesmo sem permitir ou perceber,
a novas formas
de relacionamento, graças à força e ao ímpeto de uma nova razão configuradora
da realidade,
contida na internet :: precisamos buscar a fórmula de um novo partilhamento,
a começar pela poeticidade
da vida - um retorno mesmo ao mito, ao mistério, ao inconsciente, para que a
partir de sua benfazeja
desordem, voltemos a uma nova ordem :: precisamos deixar de ser machistas e
aceitar o pensamento
leve e sutil da arte :: não há mais uma vitória da seriedade ou da sisudez, mas
sim uma
consideração leve do problema social a ser enfrentado :: dentro disso, torna-se
possível afirmar
que, mais importante para a definição dos rumos da nação, que uma eleição
majoritária
para presidente, em uma jovem democracia como a nossa, será um reality show
musical, assim como foram os festivais
de música dos anos 60, na época da ditadura e da cultura de rebeldia
juvenil :: e se, naquela época, havia
uma mão de ferro da ditadura, uma expressão do poder na máquina de
Estado, hoje esse poder encontra-se
cada vez mais no âmbito da cultura e suas pululações pela rede mundial de
computadores:: que se riam os fracos
em esperança dessa afirmação :: novamente, como nunca me cansei de afirmar -
o fio de ariadne
para sair do labirinto chamado brasil, como bem sabia Glauber Rocha, é pela
renovação da arte :: que
se revelem, portanto, novas forças estéticas de nossa cultura, por que isso
sim é o que
faz a diferença, e produz real avanço, em uma sociedade como a brasileira,
complexa
e destinada a concentrar em si todos os atributos da pós-modernidade ::
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