Saí da farmácia e fui até o carro buscar umas moedinhas, que eu sabia que estavam por ali, pelo console ou porta-luvas. A senhora do caixa precisava de 35 centavos para não ser obrigada a me trocar uma nota de dez reais.
A vida será sempre assim? Com estranhas janelas, talvez sejam bem mais pequenas frestas, abrindo-se para o lento escoar do tempo mítico?
Pois a minha tem sido. E por isso rolo, de pedra em pedra, cada pedra é uma dificuldade, e vou me rolando, como uma aguinha breve e sinuosa, uma aguinha que já foi, tenho certeza, de algum alvor da juventude, melhor dizendo, da alguma fonte secreta da juventude eterna, quem sabe algum limoeiro sagrado.
Não era nada mais que catar as três ou quatro moedinhas, miúdas, com a ponta mais comprida da unha, atravessar a rua de volta e concluir a compra de esmalte, acetona e cotonetes para meu filho mais jovem, uma caixinha de chá de camomila para minha esposa.
Mas logo uma água jorrou, da memória mais comprida do mundo, afinal iluminando as quatro moedinhas dispostas sobre a palma de uma das mãos - três moedas de dez centavos, mais uma de cinco.
E a visão perfeita da memória esquisita veio sob a forma de uma pergunta: afinal, ainda existe esse dinheiro miúdo? Certa vez, eu havia lido em algum lugar: "dinheirinho de criança".
Ele ainda existe?
Dinheirinho atemporal, de origem estranhamente vegetal, voador, porque mora longe, na manhã do mundo, quando todas as pretensões são de criança, e não há nenhum sal para comprar ou vender, nenhuma engrenagem, carro, prestação, missa, carro, visita, fofocas, missa, inveja, adultério, dinheiro de verdade.
Nada disso. Nada, nada, nada disso. Apenas a docilidade das manhãs para se acordar e ficar em casa. E, nas relações, irmãos e irmãs que não se desentendem. Adultos que se amam incondicionalmente. Casais que formam outras formas de união, menos arredias ao próprio amor. Lares sem acidentes domésticos entre fortunas do ser ocasionados por micro diferenças de temperamento.
Não. Nada. Nada, nada, nada disso.
Dinheirinho do mundo, pequeno e sensível. E ele ali, na minha mão, simboliza, de um jato, a razão antiga de não se ter nada. A pobreza pessoal em si como arma para o enriquecimento do mundo, pela negação à futilidade e a exaltação aos poderes miraculosos da natureza.
A lógica ela mesma da opção pela propriedade nula, nau conduzida pela correnteza purificadora de Cristo em seu amálgama com outros espíritos missionários do Brasil.
Marcus, o que é isso que reverbera em tua cabeça? O que é isso que diante de teus olhos expande uma roça de milho ou uma chaga negra de escravo aliviada com sabor de temperos e cachaça?
Nessa iluminação, estou de pés descalços, eu e minha esposa, e voamos juntos na direção da liberdade, com a cabeça sonsa, e já bem branca.
Trabalhamos, por sobre fartas ilusões, por sobre o semblante de algum utópica-libertária fantasia feminista. Trabalhamos por sobre espíritos cansados, para que não desanimem.
Trabalho que não cansa, trabalho bom, de mãos amorizantes ultra-românticas, por promoverem o encontro último dos casais, a cozinhação dos maiores devaneios de casal, onde a dor é curado por namoros astrais e literatura de séculos acumulada em chacras invisíveis da natureza.
Ali, o Brasil namora e, a partir dessa açucarada união, erguem-se casas, que serenamente simbolizam a simplicidade, a beleza e a bondade.
Nunca se sabe porque o Brasil é benigno desse jeito, o Brasil na sua oca original, erguida com com o sangue e o suor de uma casa de pau a pique.
Ali, tudo que é bom se espalha e vai alimentar os rios que irrigam nossa vida, em todos os seus aspectos míticos.
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A criança voa com densidade nessas horas, e vem ao meu encontro. A ajeito em um ninho, para não ferir sua plumagem, altamente sensível e portanto suscetível a variações no ambiente, e a mãe dessa criança, uma ave onírica onisciente, que tem na face límpida o mapa das revoluções do mundo, aproxima-se para alimentá-la.
"Ave branca de asas limpas", como escreveu Sílvia em um poema certa vez. Ave abonadora. "Sereno pássaro de Deus". Os rituais de passagem
acrescentar imagem do preto velho, o menos valorizado dos escritores do bRasil, a expoliação do bRasil
de uma chaga eterna voa o dinheirinho, na compulsão pela simplicidade
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hoje, 16 de abril, estive no mercado, e, no caixa, ao jogar uma espécie de "conversa fora" para o caixa, sobre sua coleção de moedas temáticas das olimpíadas, minha memória recorreu novamente à imagem das moedinhas de nenhum valor.
a relação está no momento feliz colhido com o plantio da relação, seu cultivo, um depósito, o dinheirinho representando a sutileza e ao mesmo tempo o contrário da riqueza e da opulência (o valor encontrado nas pequenas coisas), uma noção de que tudo o que é fiapo, ninharia, faz aumentar a riqueza do tempo vivido
que missão poderia nos interessar mais do que ensinar conceitos humanistas (mais à esquerda, mais à direita, não
importa) a essa gente que está atrasada na escola e não compreende os princípio básicos da civilização?
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ágoRa :: brasil, mito fundador
arte ::
indecentes palavras: quem é a negra ama jesus?
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