a metáfora do abismo é a que melhor define,
talvez,a ocasião social do encontro entre alguém como
eu e pessoas
que avaliam a possibilidade, por
exemplo, de votar em Jair bolsonaro :: as relações ficam marcadas por um
mal-estar profundo, como se se
abrisse o chão sob os nossos pés e caíssemos,
eu e essas pessoas, em um vazio de sentido :: e
tudo, à volta, tudo o que faz parte da vida a ser vivida no seio de uma
situação justa e equilibrada, saudável, bondosa, perde o gosto, o ânimo, o prazer :: e, de
imediato, começamos a tatear, eu e essas pessoas, em um labirinto
de perguntas angustiantes, envolvendo nossas definições sobre estilo de
vida :: sobre o modo como organizamos o ser e o existir,
o modo como trabalhamos e educamos nossos filhos :: e, a
partir dessa queda e dessa confusão se estabelece
uma imensa de
dificuldade de convívio, uma impossibilidade de dar as mãos e caminharmos juntos :: imagino
que seja tal situação a mesma que faça com que
assistamos, no congresso nacional, verdadeiras
disputadas marcadas pelo ódio entre o próprio
bolsonaro e Jean willys, por exemplo, ou entre bolsonaro e a deputada Maria
Do rosário :: ou ainda que faça Eduardo cunha
virar as costas quando alguém da esquerda o fustiga com acusações
e julgamentos :: a in-comunicação
é completa ::
a bolsonarização do Brasil, nesse momento, por
todas essas razões, é uma das questões que mais
me intriga ::
não sou herói, semi-deus, ou qualquer coisa
parecida :: e por isso me concedo o direito de atravessar a vida sem
ser vitalmente
perturbado pela coexistência social de alguém que adoraria me ver mal, doente, na miséria, ou até mesmo
morto ::
eu, que amo falar do feminino, e defendê-lo :: eu, que combato o machismo e a misoginia de
frente :: eu, que ajudo a defender a igualdade
entre os gêneros e a liberdade de escolha para
a orientação sexual :: quero abrandar o sentimento de beligerância
ocasionado pelo tal abismo, mas não
consigo :: sinto que se faz necessária a altivez de minha autonomoia ::
e acho que foi isso que lula quis dizer quando
se emocionou ao falar que havia conquistado o “direito de
andar de cabeça erguida nesse país” :: as esquerdas
são justamente aqueles setores sócio-culturais
que afinam sua percepção sobre os sentidos mais profundos
da existência, o que
imediatamente barra o recurso a qualquer tipo de violência como método de solução
para o convívio entre
diferenças :: por isso, meu plano não é eliminar bolsonaros, como certamente é o plano dos bolsonaros em
relação ao tipo sócio-cultural que represento ::
no lugar disso, meu plano é justamente reivindicar
o direito de existir sem ser perturbado :: estou de certo modo assombrado,
pois chego afinal à conclusão de que meu modo
de ser, vestir, pensar, escrever, tudo, absolutamente tudo o que sou, atrai
contra mim inúmeros
bloqueios e cerceamentos :: por vezes, esses ventos contrários são imperceptíveis,
o que exige imensa habilidade, justamente, de altivez e autonomia :: politicamente, sou proibido e considerado
um mistério que sugere a eliminação, o
extermínio :: mas persisto em ser o que sou, um convicto anti-bolsonaro
a perturbar as explicações ideológicas
que permitem a exploração do Brasil por forças impiedosas de destruição e escravização
da vida ::
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